8 de dezembro de 2015



O Rio Grande do Sul é um dos estados brasileiros com melhores indicadores sociais. Por outro lado, lidera estatísticas em uma área que preocupa governos e intriga pesquisadores: o de recordista em taxas de suicídio. Os índices gaúchos atingem o dobro da média nacional. Entre 2007 e 2010, foram 10,2 mortes por suicídio a cada 100 mil habitantes, valor próximo ao de países europeus como Suécia e Noruega, conhecidos pelos índices elevados desse tipo de morte. Dados do Ministério da Saúde, tabulados pela Folha de São Paulo e divulgados em janeiro de 2014, apontam que, no período entre 2007 e 2011, nove das 20 cidades acima de 50 mil habitantes que, proporcionalmente, tiveram mais casos de suicídio, estão no Rio Grande do Sul. A região mais afetada está no vale do Rio Pardo, conhecida como polo mundial da produção de fumo.

Um dos municípios mais ricos da região, Venâncio Aires, teve 79 casos em cinco anos, o equivalente a 23,1 casos para cada 100 mil habitantes. Na cidade de 69 mil habitantes a 127 quilômetros de Porto Alegre, o tema é tabu. A explicação comum é a forte influência da cultura alemã e seus padrões de auto-exigência. Cerca de 10% dos leitos do principal hospital local são destinados à psiquiatria. Nos últimos anos, a prefeitura começou a investir em um programa de prevenção baseado em internações e grupos de ajuda. As autoridades locais não conseguem traçar um perfil dos que correm mais riscos. Entre os que tiraram suas vidas, há de pobres a ricos, jovens e idosos, moradores do centro e da área rural. Enquanto a cidade possui taxas de criminalidade baixas, na delegacia há centenas de fotos de investigações de suicídios, que precisam ser apurados até que a hipótese de crime seja descartada. A enfermeira Cristina Teles, que atua na prevenção no município, diz que uma possível causa é um efeito de repetição. “A pessoa pensa: ‘meu pai fez isso, meu avô fez isso’. Em um momento de crise, cogita também fazer.”

Nos anos 90, uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul levantou uma hipótese que associa a alta dos suicídios ao uso de agrotó- xicos chamados organofosforados nas plantações de fumo. O trabalho apontava a possibilidade de o produto gerar efeitos comportamentais no agricultor. O debate sobre o assunto fez com que até um projeto de lei fosse encaminhado no Congresso Nacional banindo o uso esses produtos, mas a proposta segue parada desde 2011.

O psiquiatra Ricardo Nogueira, que estudou em seu mestrado as taxas de suicídio no Rio Grande do Sul, vê “múltiplos fatores” no fenômeno e cita a questão da “honra” na tradição gaúcha como uma das causas. Compara o comportamento dos gaúchos e japoneses. É a questão da dignidade, de não poder ser traído, de não levar desaforo. Até a influência do Uruguai, onde os índices são muito superiores aos do Brasil, foi posta como hipótese. O doutor em ciências médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Jair Segal cita a predominância na região de pequenas propriedades familiares, frequentemente afetadas por dívidas ou perdas com o clima.

Muitas hipóteses, estudos e teorias são cogitados, mas, na prática, ficam muitas marcas, pessoas tristes, sofrendo e sem compreender o que fazer, como agir, como lidar com a perda de entes queridos e de amigos. Pessoas que sofrem caladas e decidem morrer.

Divulgar que a prevenção existe, incentivar a criação e a ação de políticas públicas e oferta de apoio são fundamentais para se evitar o suicídio. É preciso informar e apoiar a disseminação de que conversar sobre a vontade que alguns sentem de morrer é mais comum do que se imagina, que todos podemos em algum momento pensar e falar sobre isto, afinal, todos temos aflições, sentimentos que precisam ser compartilhados para que nossa vida possa ser mais leve.

Diante deste quadro, o CVV, em parceria com o Ministério da Saúde, oferece, desde setembro de 2015, um número totalmente gratuito no Rio Grande do Sul, o 188 (nos demais estados, os atendimentos continuam no número 141, através dos Postos locais, ou no www.cvv.org.br, onde é possível conversar via chat, email ou Skype).


Comissão Redatora do Boletim do CVV