6 de julho de 2016




Durante a atribulada rotina que a nossa sociedade vivencia diariamente, não raro deparamo-nos com situações adversas que criam em nós consternação. Quando essas pequenas situações ocorrem intermitentemente e não são racionalizadas geram um sentimento de insatisfação com o meio e com as pessoas que o integram, levando muitas vezes a uma explosão de raiva que nos cega a visão, embaça a clareza dos pensamentos, e acaba por gerar resultados muito negativos. Parece que nada dá certo! O que tem de errado com o resto do mundo? Por que as coisas não acontecem do jeito certo?

A ira é uma explosão de raiva, gerada por uma frustração ou pelo acúmulo delas. Irracionalizada. Impulsiva. Rápida. Pode ser destrutiva. Eventos pontuais acontecem com qualquer um. Quem nunca teve um dia ruim? Entretanto, quando se passa a ter dias repletos de pequenas explosões, irritabilidade e insatisfação constantes com o mundo, isso deixa de ser natural e pode ser considerado um problema sério, indicando o auge de uma prolongada exposição a situações de estresse, e cujo rumo deve ser imediatamente modificado, sob pena de um adoecer emocional, se nada for feito.

Sêneca, um proeminente filósofo grego, muito se deteve em observar e buscar explicações sobre a ira – talvez pela própria vivência, uma vez que foi preceptor de um dos Césares notoriamente conhecido pela sua cólera: Nero. Dentre as suas considerações, ele afirma que, apesar desse sentimento ser irracionalizado, a sua origem se encontra nas concepções, racionalizadas, que possuímos sobre as outras pessoas, sobre a vida, e sobre o mundo que habitamos. Ou seja, toda vez que nos frustramos com alguma situação, isso advém de uma surpresa negativa, gerada por algo que aconteceu de forma diferente das expectativas que supríamos até então. Assemelha-nos a uma injustiça. Quando uma pessoa se irrita no trânsito porque alguém cortou a sua frente, isso se deu pelo fato de que, conscientemente ou não, esse indivíduo espera que todos saibam dirigir bem e sejam educados ao volante. Pelo menos deveria ser assim. Nós, seres humanos, temos a tendência de desejarmos moldar tudo e todos às nossas concepções e à nossa postura ante os fatos. Quando acontecem situações que nos provam que isso não acontece, nossa expectativa (ilusão utopicamente infundada) é quebrada!

Como poderíamos então mudar esse quadro e evitarmos situações que nos decepcionem, e que desencadeiam a ira? Sêneca defendia a aceitação da irrefutável verdade de que as coisas não estão sobre nosso controle e que podem dar errado – e não raro dão. Ele estimula observar e mudar as concepções que possuímos sendo menos otimistas. Imaginar que o que pode dar errado, possivelmente dará! E preparar-se para isso. Se eu acordo tarde pela manhã, e chego atrasado ao serviço, devo me preparar para a possibilidade de que o restante do dia pode ser uma corrida contra o tempo, em razão daquele período pedido de trabalho, além de imaginar que existe a possibilidade de receber um “conselho” do chefe. Se acontecer, já se estava preparado.

Essa postura não pode ser definida como pessimista ou comodismo, mas, sim, como realista e previdente - devendo-se manter observância com os exageros e as distorções - lembrando que o mesmo Sêneca chama a atenção ao fato de que “o homem que sofre antes de ser necessário, sofre mais que o necessário”. Devemos estar cientes que alguém pode fechar a nossa frente na rua – por descuido ou por egoísmo – porque essa é uma possibilidade para quem está no trânsito. Se essa concepção nos for clara, quando acontecer, dificilmente alterará o nosso humor. Quando aceitarmos que podemos fazer pouco em relação às nossas frustrações, certamente elas não nos farão perder a cabeça. Neste fato reside a nossa liberdade. Como seres racionais que somos todos possuímos plenas condições de vislumbrar quais situações podemos mudar, e quais independem da nossa vontade.

Heitor
CVV Caxias do Sul/RS

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