26 de janeiro de 2016


Levar tudo muito a sério pode acabar como um problema. Em um mundo cada vez mais corrido o e concorrido e com pressão por sucesso de todos os lados, dar o melhor de si, buscar a perfeição, muitas vezes é o caminho mais rápido para a angústia e a dor. “Máquina nenhuma funciona 100%, senão quebra”, alerta o professor Marcelo Tavares, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). O perfeccionismo é apontado por pesquisadores como um dos fatores de risco para depressão e suicídio, mas o professor, que também é coordenador do Núcleo de Intervenção em Crise e Prevenção do Suicídio, lembra que o principal fator de risco é a dor e a ideia de se estar passando por um sofrimento considerado intolerável. “A grande maioria dos perfeccionistas não vai tentar o suicídio, e consegue funcionar dentro do seu perfeccionismo”, observa.

A busca de perfeição está, quase sempre, diretamente ligada à autoimagem. “Como a pessoa será vista pelas outras pessoas e o mais importante: como ela se vê”. Dois sentimentos – de culpa e de humilhação – estão intimamente ligados neste processo, pontua o professor. E isso, com frequência, está diretamente relacionado com as experiências da infância e com o nível de exigência dos pais. “Eu uso o perfeccionismo como forma de aliviar minha angústia do meu medo de perder a relação com o outro ou com o meu medo de que em qualquer deslize minha autoestima será abalada . O que o outro pensa, de fato, nos dois casos, é secundário, é irrelevante. O que é relevante é se eu penso que o outro me ama”.

Marcelo Tavares sentencia que a ideia do perfeccionismo não passa de uma crença, alimentada pelo senso comum, um pensamento mágico. “Você pode pegar uma pessoa perfeccionista com limpeza e vai achar uma gaveta, um canto que é uma bagunça só”, exemplifica. E o que fazer frente às exigências de si e a busca por ser mais feliz? O professor explica que a vida se torna muito mais interessante quando a pessoa se permite relaxar e até errar. “No erro, no meu limite, onde não sou perfeito, é que tem espaço para alguma coisa nova acontecer. Essa noção da perfeição, que implica na repetição mecânica do acerto, não abre porta para a novidade”. E o espaço para a criatividade, para o novo, é fundamental neste processo. “O novo verdadeiramente novo acontece no espaço onde ainda não domino”.

Quer saber mais? Confira abaixo a íntegra da entrevista exclusiva com o professor Marcelo Tavares que o Blog do CVV preparou para você! (As bonecas ultra-realistas que ilustram o inicio do texto são do artista russo Michael Zajkov (www.instagram.com/michael_zajkov/)

Organização extrema faz parte da rotina dos perfeccionistas (Foto: Reprodução/Reddit)

Competência e angústia
“Se a gente olhar no dicionário, perfeccionismo é o ato, a busca por tudo aquilo o que é perfeito. Mas há duas distinções importantes: aquilo que a pessoa faz bem feito por competência e aquilo que ela é, digamos, compelida a buscar com perfeição. São duas coisas naturalmente diferentes. Quando alguém acaba se tornando especialista, ou capaz de executar algo com maestria, pode-se dizer que atinge um nível de perfeição naquilo que ela faz. Determinadas coisas podem ser muito bem feitas por pessoas que têm gosto, têm prazer, adquiriram habilidades e competências naquilo e elas vão fazer com perfeição. Na medida que a pessoa tem prazer, satisfação com o que ela faz, a gente diz que ela está sublimando bem, vamos dizer, o que pode estar ali representado de angústia. O problema é quando essa busca está muito atrelada à angustia e ao sofrimento”.

Limites da dor
“Eu diria que a palavra perfeccionismo já implica angústia e dor. Máquina nenhuma funciona 100%, senão quebra. Isso é verdade em toda natureza. Tudo tem limite. Até mesmo alguém muito competente pode exceder. Pessoas que trabalham loucamente longas horas podem estar envolvidas em processos desse tipo”.

Fantasia e controle
“É preciso dizer que angústia, todos nós temos. Mas como cada um lida com sua própria angústia? Isso não é uma matemática tão clara, vamos dizer, a gente está tentando de uma certa forma buscar um alívio de algum modo. Também tem o exagero do outro lado. A pessoa que não se preocupa com isso. Ela lida com esse tipo de angústia não olhando para ela. É como se existisse uma promessa de que tudo estaria bem... por trás disso, estaria uma necessidade de controle. O problema é que, quando a pessoa vai para o lado do perfeccionismo, isso gera tensão nas relações também, porque o perfeccionismo é uma ficção, uma fantasia, uma crença de que se a pessoa tiver o controle das coisas, nada de mal acontecerá”.

Como você se vê?
“No final das contas, a busca da perfeição tem a ver com a autoimagem. Como a pessoa será vista pelas outras pessoas e o mais importante: como ela se vê. E isso tem ligação, com frequência, com a experiência dos próprios pais, com o nível de exigência. Tanto se pode ir para um fator de ser perfeito para obter o amor dos pais, como também para evitar humilhação”.

Culpa e humilhação
“A busca pela perfeição, então, pode ser na direção da culpa, ou seja, se eu for uma criança má, meus pais não vão me amar; ou na direção da humilhação, da vergonha. Se eu não for perfeito, eu serei publicamente envergonhado ou exposto. E isso leva a dois tipos básicos: a pessoa que está com perfeccionismo na direção da culpa e do medo, da perda do amor, vai ter uma tendência muito grande a agradar, fazer o que é certo pelos outros. Já quem busca o perfeccionismo na direção da defesa, da humilhação, está procurando proteger a autoestima”.

Medo
“O que importa é menos o que o outro pensa e mais preservar a relação. Eu uso o perfeccionismo como forma de aliviar minha angústia do meu medo de perder a relação com o outro ou estou usando o perfeccionismo com o meu medo de que em qualquer deslize minha autoestima será abalada . O que o outro pensa, de fato, nos dois casos, é secundário, é irrelevante. O que é relevante é se eu penso que o outro me ama. Ou o que é relevante é se eu penso bem a respeito da minha própria autoestima. A vergonha não é o que o outro pensa, mas o que eu penso de mim diante do outro”.

Depressão e suicídio
“Qualquer sofrimento grave pode levar a uma sensação de uma necessidade de alívio imediato desta dor. No extremo, pode-se chegar a um momento em que se acha que esse sofrimento é intolerável e essa dor é que é o risco. Não é pelo fato de ser perfeccionista, mas pelo fato de não estar conseguindo suportar. A grande maioria dos perfeccionistas não vai tentar o suicídio, e consegue funcionar dentro do seu perfeccionismo”.

Maior dificuldade?
“A perda do amor do outro, a percepção da perda do amor do outro ou a questão da decepção, da falha, do fracasso que pode levar à perda da autoestima”.

Como ajudar?

“Quando a gente recupera a nossa história pessoal para entender como tudo começou, percebe o sentido, o motivo de precisar disso. Se o sentido dessa busca perfeccionista é parar aliviar, por exemplo, uma concepção que criei quando criança de que ninguém vai me amar se eu não for perfeito, ou se vou ser publicamente humilhado se eu não for perfeito, ou se me percebo como imperfeito, já me sinto humilhado. Se recupero como, historicamente, isso se configurou, é como se tivesse uma outra voz mais atual, mais adulta, mais amadurecida, da minha própria experiência. Então, um exemplo concreto: se você está realizando alguma coisa e alguém chega te criticando. Em vez de responder com um ímpeto agressivo e retribuir, pode-se parar e falar para si mesmo: essa pessoa está me tratando como eu me sentia tratado pelo meu pai e essa é a hora que teria um ataque de raiva. Mas agora posso olhar para essa situação de maneira diferente e ver onde ele teria ou não razão e expor para ele calmamente, adequadamente, com segurança.... E posso, inclusive, expor o meu ressentimento de ele me tratar neste tom. Toda essa descrição longa corresponde a um processo que acontece muito rapidamente. Quando a pessoa elabora isso em uma terapia, essas experiências passam a ter um sentido diferente”.





Agressividade
“A agressividade é um componente que pode participar da experiência de algumas pessoas perfeccionistas. Mas ela pode também agir de outro modo. Por exemplo: se alguém chega e critica, esta pessoa pode se fechar mais, se esconder mais, evitar mais. Vamos dizer: ela está se protegendo. Uma das grandes vantagens do processo terapêutico é que ele é sob medida. Cada um tem um tamanho de braço, de barriga, de pescoço. Às vezes, comprar um terno pronto não serve”.

Comportamento

“O perfeccionismo é mais um comportamento do que uma tipologia. Pode ser uma prática religiosa, na qual se segue piamente todas as normas da igreja. Pode jogar isso no trabalho. O outro pode levar isso para atender todas as expectativas de alguém importante na vida dele, seja pai, mãe, filho, cônjuge…. Há mães que sofrem com isso, em atender ou não demandas de filhos”.

Pensamento mágico
“Não existe perfeição. Você pode pegar uma pessoa perfeccionista com limpeza e vai achar uma gaveta, um canto que é uma bagunça só. A percepção de que isso é impossível começa com o reconhecimento de que existem áreas da vida em que não dá, simplesmente não dá… Se pensarmos em cura, e digo isso com muitas aspas, é preciso aceitar que isso é uma ficção. É muito mais um desejo do tipo pensamento mágico, como se fosse possível ser perfeito, atender todos os desejos do outro, me ver como perfeito. É preciso aceitar que a vida é mais interessante se eu relaxo e deixo um espaço para curtir e até para errar, porque no erro, no meu limite, onde não sou perfeito, é que tem espaço de possibilidade para alguma coisa nova acontecer. Essa noção da perfeição, que implica na repetição mecânica do acerto, não abre porta para a novidade. O novo verdadeiramente novo acontece no espaço onde ainda não domino”.


Leila
CVV Brasília - DF