1 de dezembro de 2015




O descaso com a dor alheia, principalmente nas redes sociais, marcadas por uma aparente felicidade, foi o ponto de partida para o projeto Fica Bem. Lançado por três estudantes de publicidade que queriam fazer do trabalho final de conclusão de curso uma abordagem diferenciada da depressão, a página já conquistou quase 5 mil seguidores no Facebook, em pouco mais de seis meses. “A pessoa tem medo de não estar vivendo, de não ter coisas divertidas como as da timeline do amigo. A gente acredita que ficar triste é normal, acontece, não se pode martirizar”, defende Bárbara Machado. Ela lembra que, na adolescência, as três eram usuárias do Tumblr e ficavam muito incomodadas com a displicência como a vida do outro é tratada. “Alguém dizia que ia se matar e, ao invés de as pessoas falarem: 'não faz isso', tinha muito a cultura de incentivar, de dar maneiras... então, a gente viveu muito isso, de se sentir mal com essas coisas”. Na página, a ideia é abordar o tema de forma leve, não direta e tampouco diretiva . “Não somos ajuda especializada”, comenta Bárbara. A seguir, os principais pontos da entrevista:


Redes sociais

Nós três tínhamos uma outra rede social, desde a adolescência, que é o Tumblr, e a gente sempre via isso. Alguém dizia que vai se matar e ao invés de as pessoas falarem: "não faz isso", tinha muito a cultura de incentivar, de dar maneiras... então, a gente viveu muito isso, de se sentir mal com essas coisas. A gente não aborda o suicídio de maneira direta, porque não sabe como falar de maneira adequada. A gente tem medo de fazer mal. Então, a gente cresceu com redes sociais neste movimento de tratar mal as pessoas, de fazer bullying, tanto que a gente sabe que isso foi muito ruim para a gente, que isso afetou nossa vida. Tanto que depressão é algo que a gente teve muito contato no nosso círculo social. Tentamos fazer algo diferente, porque a gente sabe que é uma coisa boa. 



Criação e CVV


Somos estudantes de publicidade da UFMG, não temos qualquer contato com psicologia. Então tivemos ajuda de uma enfermeira de São Paulo e também do pessoal do CVV aqui de Belo Horizonte. Nos reunimos com eles, como falar certo, como não fazer. Não foi um treinamento, mas deu uma luz muito grande principalmente no jeito de falar. Eles nos falaram muito sobre empatia e tentamos trazer isso para a página. Vimos que as abordagens não publicitárias das páginas sobre depressão no Brasil não são muito abrangentes e, quando são, se mostram muito sombrias, muito tristes, muito pesadas, e algumas pessoas do grupo já tiveram problema com depressão e então resolvemos abordar de forma mais leve, diferente, principalmente por se tratar de rede social. E rede social tem muito problema com autoestima, socialização. A gente faz curadoria de conteúdo, traz dicas, com identidade mais calma e cores mais tranquilas. Como uma das integrantes do grupo já conhecia o CVV, buscou ajuda para trabalhar os temas.

   
Conteúdo

Primeiro ficamos procurando conteúdos interessantes. Muitas pessoas mandam material para a gente, tanto que seguem a página, quanto do nosso círculo social. Aí, a partir do momento que consideramos um tema pertinente, a gente faz um textinho. Sempre com cuidado para não sermos diretivos, de não mandar as pessoas fazerem algo.... E a gente também prioriza conteúdo em português, a gente entra em contato com pessoas, pede para traduzir o material... e quando a gente cria, a gente discute entre a gente. A gente dá alguma dica tipo converse com seu amigo, leia determinada coisa. A gente sempre pensa: o que pode ser bom de ouvir? São coisas bem tranquilas, bem singelas, que muitos podem pensar que são desnecessárias, mas que podem fazer a diferença na vida de alguém.

 
Desabafo

Tanto no Tumblr quanto no Facebook, as pessoas perguntam: “Vocês estão aí? Preciso conversar com alguém”. A gente fala: estamos aqui, não somos ajuda especializada, mas a gente pode conversar. As pessoas mandam relatos. Perguntam dicas sobre situações específicas. Uma pessoa pediu ajuda para um presente para o namorado que estava com depressão. E a gente buscou ajudá-la. Recebemos também muitas mensagens de agradecimento, obrigada por existir, coisas bem simples. No Tumblr, as pessoas desabafam de maneira mais longa, a gente indica o CVV.... Procuramos olhar também os comentários, ver o que as pessoas estão falando, pensando...

 

Estigma e cobrança


Muitas pessoas não entendem a depressão. Fui divulgar para os amigos e vários falaram: você fica postando essas coisas, ninguém vai ler, triste não faz isso. Manda sair de casa que melhora. Existe uma diferença do que é depressão e o que é tristeza. A gente vê pessoas do nosso grupo que não entendem ainda. Aí tento explicar, mas o que a gente mais escuta é isso... Sentir-se mal é normal . A rede social impõe que você tem que estar feliz o tempo todo. Postar uma foto na praia, estar cheia de amigos em um sábado de manhã. Mas não é bem assim, a vida não é 100% felicidade. E essas redes ajudam a divulgar justamente o contrário. Tem um termo em inglês, fear of missing out, medo de ficar de fora, a gente vê muito isso. A pessoa tem medo de não estar vivendo, de não ter coisas divertidas como as da timeline do amigo. A gente acredita que ficar triste é normal, acontece, não pode se martirizar. Ainda mais para quebrar essa felicidade eterna da rede social... você pode mostrar que não está feliz. Você pode sentir o que quiser, mostrar o que você se sente confortável em mostrar. Não precisa ser feliz todo o tempo.

Conheça o Projeto Fica Bem, no Facebook e no Tumbrl.