5 de janeiro de 2016




Não são poucos os episódios que nos mostram que as pessoas perderam o limite sobre o que seria razoável falar publicamente. Não se trata de censura, mas de algo que viabilizava o convívio com aqueles que pensavam diferente de nós (ou, em última instância, que tornava suportável a vida em sociedade).

É difícil precisar o momento em que isso ocorreu, mas certamente se confunde com o acesso quase universal à internet. Em um primeiro momento na rede, houve a sensação de se estar em um ambiente paralelo à realidade, que não gerava consequências na vida das pessoas e na imagem que elas faziam de nós. Isso facilitou com que cada um se sentisse à vontade para expressar pensamentos até então inconfessáveis. Ao expô-los, fomos surpreendidos com o fato de muitos compartilharem daquilo que preferíamos antes esconder, o que gerou a agradável sensação de “pertencimento”, tão necessária nos seres humanos. A partir de então, expressar ódio, preconceito e intolerância deixou de ser motivo de acanhamento e passou a ser meio de obtenção de “curtidas” em redes sociais.

Em uma de suas mais famosas frases, Nelson Rodrigues alertou que, "se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava". Pois bem, a internet revelou as pessoas e acabou por mostrar a pior face do ser humano, aquela que não só se envergonha, mas se vangloria de magoar, difamar e julgar o outro. Esquecemos que, por trás de cada notícia, foto ou piada compartilhadas, acompanhadas quase sempre de cruéis julgamentos, existe uma vida, uma pessoa que vai além de um perfil na internet.

Basta um rápido passeio pela rede para constatar que nem a morte, aquela que iguala todos os seres, parece ser capaz de despertar compaixão, servindo a piadas, especulações e até comemorações, como solução desejável para aqueles que não toleramos, seja o político que nos contraria, seja o criminoso que julgamos não merecer dignidade.

Por definição, compaixão é a dor que nos causa o sofrimento alheio, a piedade, a pena. É o contrário do que se vê na internet, que é apenas o meio pelo qual as pessoas expressam sentimentos e opiniões reais e onde dão vazão à indiferença ou à alegria causada pela desgraça alheia.

Chegamos, porém, ao momento em que o despudor da internet ameaça invadir o dito “mundo real” (para aqueles que ainda a consideram um universo paralelo). Gostamos da liberdade de dizer o que pensamos sobre tudo e todos, vimos que é possível receber likes por expressar nossos ressentimentos e, agora, queremos receber aplausos e cumprimentos. E, assim, começam a surgir notícias de pessoas públicas hostilizadas pessoalmente em hospitais ou outras situações de doenças ou tragédias pessoais, que costumavam despertar solidariedade.

Se, por um lado, é desejável que as pessoas se dispam de suas máscaras e expressem seus sentimentos (afinal, é isso que o CVV adota como filosofia), também é necessária a empatia com o outro. Talvez uma das soluções seja o autoconhecimento e a identificação das nossas próprias imperfeições. Reconhecendo-nos como seres falíveis e complexos, tendemos a ter mais tolerantes com os demais. Enquanto não despertarmos para nós mesmos, especialmente para nossos medos, não conseguiremos nos colocar no lugar do outro e nos compadecermos de sua dor.

Luiza
CVV Belém - PA